A paixão, descobri, era isto: ao mesmo tempo, um desejo ansioso e total de posse exclusiva, e um reconhecimento, entre desesperado e feliz, de todos se identificarem connosco. No momento em que, pela paixão, nos sentíamos mais nós mesmos, era quando todos os outros eram nós mesmos em nós. Mas, se assim acontecia, se, no conhecimento absoluto de nós mesmos pela paixão, nos identificávamos afinal muito menos com o objecto dela que com os outros seres que, nesse objecto, participavam da sua realidade e mesmo a constituíam, a paixão destruía-se a si própria, ou nós próprios nos destruíamos, e os outros nela. Senti uma espécie de vertigem. E logo percebi que nós mesmos inventávamos a paixão.
Jorge de Sena (in «Sinais de Fogo»)
segunda-feira, janeiro 29, 2007
sexta-feira, janeiro 26, 2007
quarta-feira, janeiro 24, 2007
A vida é mesmo nossa?
(Quadro de Marc Chagall)
Encostei-me à janela, olhando a noite.
Quanto mais a vida parece nossa, e é mesmo nossa, mais pessoas se misturam nela. E, quantas mais pessoas se misturam nela, mais temos que dizer sem ter a quem. Porque é impossível falar dela aos outros, sem mostrar a que ponto há ainda outros que estão envolvidos, às vezes sem sequer saberem que o estão. Por isso, talvez, é que as pessoas falavam tanto, sem dizer nada, precisamente para disfarçarem quanto sabiam, e para não revelarem, nem a si mesmas, os segredos de que eram as depositárias. Ou se abandonavam às ordens de alguém, ou de uma igreja, ou de um grupo, ou do que achavam que seria o acaso, para não se sentirem responsáveis por tamanho peso de vidas alheias. Ou ao amor...
Jorge de Sena (in «Sinais de Fogo»)
domingo, janeiro 21, 2007
Os Nomes
damos às mesmas coisas nomes diferentes
e evitamos lugares comuns como aquele que diz
que «a linguagem é uma fonte de mal entendidos»
para esquecer que nos perdemos dos outros
bastaria no entanto que conhecêssemos
as cidades que há dentro dos nomes
e que não esperássemos qualquer outra coisa
que não fosse percorrê-las juntos
bastaria que iluminássemos a distância
e que deixássemos de chamar escuro à infância
ou infância ao escuro, porque há coisas
que não sabemos nem os nomes que lhes dar
José Rui Teixeira
e evitamos lugares comuns como aquele que diz
que «a linguagem é uma fonte de mal entendidos»
para esquecer que nos perdemos dos outros
bastaria no entanto que conhecêssemos
as cidades que há dentro dos nomes
e que não esperássemos qualquer outra coisa
que não fosse percorrê-las juntos
bastaria que iluminássemos a distância
e que deixássemos de chamar escuro à infância
ou infância ao escuro, porque há coisas
que não sabemos nem os nomes que lhes dar
José Rui Teixeira
quarta-feira, janeiro 17, 2007
quarta-feira, janeiro 10, 2007
Primeiro tempo
Com tais extremos e fervores a tratava, que, meio a sorrir meio
séria, meio triste, ela me disse, uma vez:
-- Olha que eu não sou nenhuma santa! Tenho os meus defeitos...
até dizem que muitos.
-- Bem sei -- respondi-lhe eu, encantado. -- Nem eu podia amar
uma santa, ao menos como te amo a ti! Quero uma mulher... uma
mulherzinha como tu...
Estávamos em vésperas do grande dia; e já, então, muitas vezes os
meus beijos afogavam e completavam as minhas palavras.
José Régio (in «O Vestido Cor de Fogo»)
séria, meio triste, ela me disse, uma vez:
-- Olha que eu não sou nenhuma santa! Tenho os meus defeitos...
até dizem que muitos.
-- Bem sei -- respondi-lhe eu, encantado. -- Nem eu podia amar
uma santa, ao menos como te amo a ti! Quero uma mulher... uma
mulherzinha como tu...
Estávamos em vésperas do grande dia; e já, então, muitas vezes os
meus beijos afogavam e completavam as minhas palavras.
José Régio (in «O Vestido Cor de Fogo»)
quinta-feira, janeiro 04, 2007
Que desaparecido fulgor...?
Que desaparecido fulgor regressa a estes olhos,
a esta casa?
Estás sentado, chove em todos os pátios.
Em ti nasce o orvalho, nas salas o bolor instala-se.
Lentos são os cabelos, tristes pelo tempo fora.
Nada floresce nas sombras da idade.
Se ao menos,
se ao menos junto às serras uivasse o lobo e com
a neve descesse e o medo descendo.
Estás sentado
onde as muralhas se desalinham no teu sentir.
Sentes cada minuto que cresce por dentro dos temporais,
mergulhas o ouvido na reentrância das nascentes.
Pouca água cantará o teu sonho de agosto.
Se ela te visse...
(...)
José Agostinho Baptista
a esta casa?
Estás sentado, chove em todos os pátios.
Em ti nasce o orvalho, nas salas o bolor instala-se.
Lentos são os cabelos, tristes pelo tempo fora.
Nada floresce nas sombras da idade.
Se ao menos,
se ao menos junto às serras uivasse o lobo e com
a neve descesse e o medo descendo.
Estás sentado
onde as muralhas se desalinham no teu sentir.
Sentes cada minuto que cresce por dentro dos temporais,
mergulhas o ouvido na reentrância das nascentes.
Pouca água cantará o teu sonho de agosto.
Se ela te visse...
(...)
José Agostinho Baptista
terça-feira, janeiro 02, 2007
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