sábado, dezembro 30, 2006
às vezes perdemos tudo
às vezes perdemos tudo
e aquilo que era estreito
e que habitava os dias
torna-se imenso
cresce desmedidamente no ventre das memórias
e quando não cabe lá dentro
rebenta o que cuidadosamente muralhámos
e inunda a planície em que pastam os nossos medos
no rebanho então tresmalhado do nosso passado
nesse momento dói tanto estar vivo
às vezes perdemos tudo
e aquilo que vivemos sem dar conta
e que no fundo éramos nós a respirar
grita-nos aos ouvidos que estamos a morrer
porque não sabemos viver quando perdemos tudo
grita-nos aos ouvidos que há oceanos que não sabemos muralhar
e que o nosso passado não existe realmente
porque perdemos o mapa da terra longínqua
da ilha esquecida
em que um dia o enterrámos
às vezes perdemos tudo
e aqueles que amámos à volta da mesa
a quem amarrámos as nossas mão e jurámos amar para sempre
ficam tão longe
tão longe
e nessa altura desenterramos mesmo o que nunca chegámos a enterrar
mergulhamos sofregamente as mãos numa terra em ruínas
que outrora eram muralhas inabaláveis
sempre que perdemos tudo
percebemos que há minutos que são milénios imensos
e descobrimos que a vida que vivíamos sem dar conta
e que no fundo éramos nós a respirar
é um milagre cheio de elementos
que reconhecemos e em quem nos identificamos
um milagre onde habitam as pessoas a quem amarrámos as nossas mãos
e jurámos amar para sempre
um milagre que existe para lá das memórias que quisemos muralhar
e que no fundo nunca soubemos compreender
José Rui Teixeira
sexta-feira, dezembro 29, 2006
quinta-feira, dezembro 28, 2006
Perfil
O autor destas páginas também desenha, e não sabe expressar
por palavras a extraordinária impressão que recebe sempre que
copia o perfil de qualquer pessoa. A natureza chega tão complexa
às feições de cada um que somos forçados a não poder aceitar
cada qual resumido ao lugar em que a sociedade o põe. Através
dos séculos, uma linha única e incessantemente seguida acabou por
tornar inimitável o perfil de cada um. Essa linha passa agora desde
o alto da testa até por baixo do queixo, e às vezes lembra a de outros,
mas é intransmissível.
José de Almada Negreiros (in «Nome de Guerra»)
sexta-feira, dezembro 22, 2006
Outros Natais
Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.
Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!
Fernando Pessoa
terça-feira, dezembro 19, 2006
segunda-feira, dezembro 18, 2006
True love leaves no traces
As the mist leaves no scar
on the dark green hill
so my body leaves no scar
on you and never will
Through windows in the dark
the children come, the children go
like arrows with no target
like shackles made of snow
True love leaves no traces
if you and I are one
it's lost in our embraces
like stars agains the sun
As a falling leaf may rest
a moment in the air
so your head upon my breast
so my hand upon your hair
And many nights endure
without a moon or star
so will we endure
when one is gone and far
True love leaves no traces
if you and I are one
it's lost in our embraces
like stars against the sun
Leonard Cohen
on the dark green hill
so my body leaves no scar
on you and never will
Through windows in the dark
the children come, the children go
like arrows with no target
like shackles made of snow
True love leaves no traces
if you and I are one
it's lost in our embraces
like stars agains the sun
As a falling leaf may rest
a moment in the air
so your head upon my breast
so my hand upon your hair
And many nights endure
without a moon or star
so will we endure
when one is gone and far
True love leaves no traces
if you and I are one
it's lost in our embraces
like stars against the sun
Leonard Cohen
sexta-feira, dezembro 15, 2006
quinta-feira, dezembro 14, 2006
Procura
Tomás apareceu pelas onze horas com o carro. Levámos
a nossa mãe à igreja (ela não fora à Missa do Galo), aguardámos
que saisse.
--Já não vais então à missa--disse-me Tomás.
--Há quanto tempo... Mas ainda ouço os coros.
--Como ainda?
(...)
--Como estranhas que eu os ouça?-- disse eu ainda.--
Sabes tu... Sabes tu o que é a vida?
--A vida... Bom. Tu lês muito, tu sabes coisas. É claro,
também leio, também penso. Leio pelas noites de Inverno, a
Isaura rala-se. Mas eu trabalho a terra. É dificil explicar-te: a
gente colabora com a terra. A gente come os frutos, a gente
mata as reses, mas não as destrói. Há um pacto de aliança.
O sol não nos aquece: aquece a terra. É difícil explicar-te.
(...)
Após um longo silêncio, os cânticos irradiaram de novo
da igreja, abrindo no adro como uma grande flor de neve.
--Mas tu não ouves esta música?--perguntei.
--Ouço. Mas não ainda como tu. Hei-de ouvi-la sempre,
suponho.
--Mas não és crente, tu.
--Se o fosse, não a ouvia suponho. Os que estão dentro
não a ouvem: cantam-na. A terra não se conhece a si própria.
--Terás tu... Terás tu achado o que procuro?
...essa superação de todo as angústias, de todas as dúvidas?
Terás tu visto o absurdo e o milagre, e ficado tranquilo?
--Não sei o que queres dizer. Mas tenho a certeza de
que não achei o que procuras. Porque, se tu procuras, só tu
podes achar.
Vergílio Ferreira (in "Aparição")
a nossa mãe à igreja (ela não fora à Missa do Galo), aguardámos
que saisse.
--Já não vais então à missa--disse-me Tomás.
--Há quanto tempo... Mas ainda ouço os coros.
--Como ainda?
(...)
--Como estranhas que eu os ouça?-- disse eu ainda.--
Sabes tu... Sabes tu o que é a vida?
--A vida... Bom. Tu lês muito, tu sabes coisas. É claro,
também leio, também penso. Leio pelas noites de Inverno, a
Isaura rala-se. Mas eu trabalho a terra. É dificil explicar-te: a
gente colabora com a terra. A gente come os frutos, a gente
mata as reses, mas não as destrói. Há um pacto de aliança.
O sol não nos aquece: aquece a terra. É difícil explicar-te.
(...)
Após um longo silêncio, os cânticos irradiaram de novo
da igreja, abrindo no adro como uma grande flor de neve.
--Mas tu não ouves esta música?--perguntei.
--Ouço. Mas não ainda como tu. Hei-de ouvi-la sempre,
suponho.
--Mas não és crente, tu.
--Se o fosse, não a ouvia suponho. Os que estão dentro
não a ouvem: cantam-na. A terra não se conhece a si própria.
--Terás tu... Terás tu achado o que procuro?
...essa superação de todo as angústias, de todas as dúvidas?
Terás tu visto o absurdo e o milagre, e ficado tranquilo?
--Não sei o que queres dizer. Mas tenho a certeza de
que não achei o que procuras. Porque, se tu procuras, só tu
podes achar.
Vergílio Ferreira (in "Aparição")
quarta-feira, dezembro 13, 2006
From Her To Eternity
(Der Himmel über Berlim)
"Não há história maior do que a de nós dois:
homem e mulher
Será uma história de gigantes"
segunda-feira, dezembro 11, 2006
O Caos do Sonho
Estou deitado no sonho não
perturbes o caos que me constrói
Afasta a tua mão
das pálpebras molhadas
Debaixo delas passa
a água das imagens
Gastão Cruz
perturbes o caos que me constrói
Afasta a tua mão
das pálpebras molhadas
Debaixo delas passa
a água das imagens
Gastão Cruz
domingo, dezembro 10, 2006
Rasgar
como um raio a rasgar a vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma cidade secreta
a levantar-se do chão, como água, como pão,
como um instante único na vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma pétala dessa flor
a levantar-se do chão, como água, como pão
assim nasceste no meu olhar, assim te vi,
flor a florir desmedida, instante único
a levantar-se do chão, a rasgar a vida,
assim nasceste no meu olhar, assim te amei
vida, água, pão, raio a rasgar uma cidade secreta
a levantar-se do chão, flor a florir desmedida.
José Luís Peixoto
quinta-feira, dezembro 07, 2006
Quantas máscaras usamos...
How many masks wear we, and undermasks,
Upon our countenance of soul, and when,
If for self-sport the soul itself unmasks,
Knows it the last mask off and the face plain?
The true mask feels no inside to the mask
But looks out of the mask by co-masked eyes.
Whatever consciousness begins the task
The task’s accepted use to sleepness ties.
Like a child frighted by its mirrored faces,
Our souls, that children are, being thought-losing,
Foist otherness upon their seen grimaces
And get a whole world on their forgot causing;
And, when a thought would unmask our soul’s masking,
Itself goes not unmasked to the unmasking.
Fernando Pessoa
quarta-feira, dezembro 06, 2006
mãe...
mãe, eu sei que ainda guardas mil estrelas no colo.
eu, tantas vezes, ainda acredito que mil estrelas são
todas as estrelas que existem.
José Luis Peixoto
eu, tantas vezes, ainda acredito que mil estrelas são
todas as estrelas que existem.
José Luis Peixoto
segunda-feira, dezembro 04, 2006
sábado, dezembro 02, 2006
Novos e Outros Ventos
Ás vezes gostaria de estar no sítio onde as ondas
morrem na areia e desfazer-me em espuma.
Aí, perdem-se para sempre, como se não existisse
nada senão a altura das árvores,
ou perder-me para sempre por nada ser para sempre,
nada eterno ou cristal como a eternidade
de morrer e inventar a casa.
Os ventos frios vão e vêm. São pássaros,
como as marés que vão de um rio a outro
e voltam à mesma água.
Francisco José Viegas
morrem na areia e desfazer-me em espuma.
Aí, perdem-se para sempre, como se não existisse
nada senão a altura das árvores,
ou perder-me para sempre por nada ser para sempre,
nada eterno ou cristal como a eternidade
de morrer e inventar a casa.
Os ventos frios vão e vêm. São pássaros,
como as marés que vão de um rio a outro
e voltam à mesma água.
Francisco José Viegas
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