sábado, dezembro 30, 2006

às vezes perdemos tudo


às vezes perdemos tudo
e aquilo que era estreito
e que habitava os dias
torna-se imenso
cresce desmedidamente no ventre das memórias
e quando não cabe lá dentro
rebenta o que cuidadosamente muralhámos
e inunda a planície em que pastam os nossos medos
no rebanho então tresmalhado do nosso passado

nesse momento dói tanto estar vivo

às vezes perdemos tudo
e aquilo que vivemos sem dar conta
e que no fundo éramos nós a respirar
grita-nos aos ouvidos que estamos a morrer
porque não sabemos viver quando perdemos tudo

grita-nos aos ouvidos que há oceanos que não sabemos muralhar
e que o nosso passado não existe realmente
porque perdemos o mapa da terra longínqua
da ilha esquecida
em que um dia o enterrámos

às vezes perdemos tudo
e aqueles que amámos à volta da mesa
a quem amarrámos as nossas mão e jurámos amar para sempre
ficam tão longe
tão longe

e nessa altura desenterramos mesmo o que nunca chegámos a enterrar
mergulhamos sofregamente as mãos numa terra em ruínas
que outrora eram muralhas inabaláveis

sempre que perdemos tudo
percebemos que há minutos que são milénios imensos
e descobrimos que a vida que vivíamos sem dar conta
e que no fundo éramos nós a respirar
é um milagre cheio de elementos
que reconhecemos e em quem nos identificamos
um milagre onde habitam as pessoas a quem amarrámos as nossas mãos

e jurámos amar para sempre
um milagre que existe para lá das memórias que quisemos muralhar
e que no fundo nunca soubemos compreender

José Rui Teixeira

3 comentários:

Anónimo disse...

...só quando se perde tudo é que 'acordamos' e percebemos o imenso valor de coisas que pensávamos sem significado.
Aquilo que é verdadeiramente importante passa-nos ao lado no frenesim do dia a dia...qd se perde, acorda-se..., talvez demasiado tarde.

nelio disse...

às vezes, quando perdemos tudo, também descobrimos que aquilo que perdemos não passava de uma ilusão. e que aquilo que verdadeiramente vale a pena não foi perdido, a capacidade de nos maravilharmos com as coisas "pequenas", porque aquilo que verdadeiramente nos alimenta, não é o grandioso nem é a segurança. é a existência, são as sensações, é o estar vivo e sentir. às vezes é preciso perdermos tudo para sentirmos que estamos vivos. bom 2007

Maria Romeiras disse...

Lindo e verdadeiro. Às vezes perdemos tudo, não nos percamos a nós, teremos sempre capacidade de acreditar em milagres. Eu acredito. Um bom ano de 2007!