Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras da rua
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao
outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes
verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras
quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada
e no entanto antes das palavras gastas, tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar
dentro de ti não há nada que me peça água,
o passado é inútil como um trapo
e já te disse; as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
terça-feira, março 20, 2007
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4 comentários:
está incompleto. falta:
"já gastamos as palavras
quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada
e no entanto antes das palavras gastas, tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração
não temos já nada para dar
dentro de ti não há nada que me peça água,
o passado é inútil como um trapo
e já te disse; as palavras estão gastas.
adeus."
curiosamente conheço muito bem este poema, está ligado a uma ruptura antiga.
Que triste...será uma verdade incontornável numa relação? I hope not...ainda espero "and they lived happily ever after"(melhor,quero acreditar).
"só criando rupturas se pode avançar sem andar em círculos" , in, http://citizenmary.blogspot.com/
Gostei muito desta frase que li no blog da Maria. Aplica-se á vida em geral...
nelio, tens razão!! Obrigado.
Tinha-o copiado (já não me lembro de onde) num caderno antigo que encontrei na triagem que se faz quando se anda em mudanças e por qualquer razão não o copiei todo... se calhar, na altura, não me agradou a conclusão... não voltei a ler este poema por isso não dei conta de que estava incompleto.
Vou já repor a verdade poética!
MIP, acredita sempre... senão valerá a pena?
Marina, a maria às vezes é um oráculo...(de Delfos? :))
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